15 de março de 2011

+ cRUz


Sabias que desde o momento da crucifixão até á morte dos crucificados passavam em média cerca de três dias? Daí que os judeus pedissem aos romanos para colocar soldados no calvário de modo a evitar que os discípulos resgatassem Jesus da cruz. Daí que os romanos ficassem espantados por Jesus estar morto ao fim da tarde dessa sexta-feira e, para confirmar, o tivessem decidido trespassá-lo.


Sabias que a morte na cruz acontece por asfixia? Os condenados morrem quando perdem a força nas pernas e ficam dependurados pelos braços abertos - o que os impede de respirar. Daí que partissem as pernas aos dois ladrões crucificados no mesmo dia que Jesus.


Sabias que os pregos usados na crucifixão eram colocados entre os ossos dos pulsos? Era assim para evitar que o peso do corpo dependurado rasgasse a carne das mãos e os condenados ficassem meio soltos.


Sabias que Cícero escreveu que a crucifixão era o mais cruel dos castigos de morte? A condenação à cruz era mais penosa que a condenação à decapitação, que a condenação às feras e do que a condenação à morte pelo fogo.


Sabias que o Direito Romano considerava a morte na cruz um castigo desumano e repugnante e, por isso, proibia a sua aplicação aos cidadãos romanos? A morte de cruz, em condições normais, era só admitida para os escravos insurrectos e para os bárbaros que colocassem em causa a ordem política.


Hoje, muito por mérito de Cristo, a cruz é, antes de mais, um sinal de esperança e de consolação. Porque o acontecimento “Jesus” dignificou a cruz e em consideração a ele a cruz deixou de ser usada para matar.

Mas, durará Cristo ainda muito tempo?

Hoje, muito por culpa dos cristãos, a cruz serve para enfeitar os telhados das igrejas, as coroas das moedas de cêntimos e os peitos, nos fios de prata e nos terços de plástico, dos que, por fé ou por vaidade, as querem consigo...



É Quaresma, tempo da cruz. Tudo isto nos devia fazer pensar.

1 de março de 2011

RabiSCada


A primeira pincelada sobre a tela parece sempre um rabisco. E por muito tempo as pinceladas que vêm a seguir a ela parecem acrescentos ou borradas à rabiscada original. Não fosse, às vezes, o génio ou a graciosidade dos artistas marcar a diferença, e nenhum quadro passaria de um aborto aos olhos de quem o aprecia.

Todavia, passa-se o contrário: é universalmente estúpido comentar um quadro ou qualquer outra obra de arte antes dela estar acabada. Não sei bem por que é que é assim. Só sei que é mesmo assim que é suposto ser: que logo desde a primeira pincelada a tela se transforme no quadro que será! Desde o primeiro rabisco o quadro é um mistério!

Talvez seja porque no trabalho de um verdadeiro artista a alma sente alguma coisa que não cabe na sua capacidade de comentar, algo que a transcende e a faz transcender-se, também.



Ora, se assim é com um quadro, ou uma escultura, ou um livro, ou com um monumento, como o não será com a nossa vida? Acaso não é ela o mais complexo e sofisticado mistério humano?

Lembra-te disso quando for preciso, porque também Deus começou por um mero rabisco!

16 de fevereiro de 2011

AMOR dE viÚVo


«Hoje apetece-me escrever qualquer coisa sem um sentido e falar de um velho viúvo que ainda não encontrei mas com quem preciso de falar, para confrontar com a experiência algumas dúvidas que me incomodam.

Será que alguém conhece tal velho viúvo? É um velho rabugento e teimoso como todos os velhos viúvos, que gostava muito da sua mulher. Não sei se lhe batia, se não, ou se resmungava muito com ela. Acho que sim, mas não sei. Ainda não o encontrei. Só sei que gostava dela tanto tanto que quando ela morreu até a violência e o mau humor do velho perderam o sentido e deixaram de ser interessantes para ele.

Gostava de saber por que é que ele também morreu: se é porque perdeu o sentido, como o meu texto. De saber por que é que ele não bateu em mais ninguém e não encontrou com quem resmungar daquela maneira: se é porque já não teve tempo para isso antes de morrer.

Quero muito perguntar-lhe se concorda comigo em que o luto não tem cinco fases mas seis, sendo a sexta mais do mesmo das outras cinco: a paixão - do latim: patio, onis - que não é só o que por ela se entende normalmente, mas também um sofrimento que quase se pode traduzir por saudade.

E quero saber se ele acha que é justo que a paixão não seja a sexta fase mas a primeira de todas, talvez até prévia à própria morte, ainda que isso torne toda a vida um luto ou, melhor, todo o luto uma vida.»


Encontrei aqui num recorte, a meio dos meu canhenhos.